terça-feira, 27 de setembro de 2011

OS GUARDIÕES DO TEMPO - Trecho do Capítulo 1


SERÁ QUE O CÉU PODERIA ESPERAR, AO MENOS UM POUCO?


– Droga, droga e... droga!

– Nossa, Rogério, você só reclama. Tá parecendo a vó, de tanto resmungar! – disse Ciça.

– Bom, prá você pode tá tudo da hora, Ciça, mas prá mim, não tá. Estamos aqui, em plena noite, sozinhos, neste barquinho a remo, bem no meio do lago. E isso sem contar o frio que está fazendo.

– Rogério, já são quase quatro e meia da manhã, e isso não é plena noite – respondeu Duda. – Espere o tio Benê voltar com o restante das iscas, pois estas que pegamos não vão dar nem pro começo.

– E porque as iscas não estavam no carro?

– Bom, ele pediu para verificarmos tudo, e eu nem vou dizer quem ficou encarregado de checar as iscas.

– Por que? Vai dizer que era eu?

– Hum, hum – responderam Duda e Ciça, ao mesmo tempo, concordando com a cabeça.

– Engraçado, muito engraçado. Prá vocês, sou o culpado de
tudo.

– De tudo não, Rogério – respondeu Ciça rindo. – Só daquilo que você apronta.

– Vocês é que estão de marcação comigo! Foi por isso que riram da minha roupa, depois que me troquei e fui para o carro. É que vocês não entendem nada de pescaria e estão com inveja, isso sim!

Ciça olhou para Duda e deu outra risada abafada.

– Rogério, não fique chateado – disse Duda. – Você tem razão, nós rimos porque somos bobos, e não porque você me aparece com um colete que tem... hum... deixa eu ver, vinte e três bolsos, além é claro, desse chapéu com essas imitações de iscas penduradas na aba e...

E Duda não conseguiu mais se segurar e, junto com Ciça,
caiu na gargalhada.

– Vocês é que não entendem nada de pescaria! Desse tatu nem perco tempo em falar, mas você, Ciça...

Rogério deixou a frase no ar, olhando assustado para os lados.

De súbito, o barco, e tudo que havia nele, começou a tremer e
vibrar.

– O-O-O que-e é-é i-i-isso? – perguntou Rogério, com dificuldade
para articular as palavras, a intensa vibração fazendo-lhe os dentes baterem.

– S-Sei l-lá, tá-á tudo v-vibrando como louco! – respondeu Duda, olhando à volta, tentando encontrar uma explicação.

E não era apenas o barco ou as águas do lago. Para onde olhassem, havia a impressão de que tudo vibrava, incluindo o próprio ar, fazendo as imagens tremeluzirem, tornando a paisagem fantasmagórica, como se a paisagem fosse desvanecer.

No céu, uma vermelhidão crescente tomou conta da escuridão, e em poucos segundos, as próprias nuvens pareciam incandescentes.

De súbito, uma imensa bola de fogo emergiu das nuvens e se precipitou nas águas do lago. O impacto imediatamente gerou uma imensa onda contra a embarcação, arremessando-a para o alto.

Duda, Ciça e Rogério se seguravam como podiam, jogados para cima junto com o bote que, por pura sorte, não virou, quando alguns segundos depois, se precipitou, chocando-se com forte impacto contra as águas agitadas. Isso, porém, não impediu os três de tomarem um grande banho frio.

– Ah, não, de novo, não, caraca! – praguejou Rogério, cuspindo um bocado de água.

– Mas o que foi isso? – perguntou Ciça, assustada, ainda agarrada com força à borda do barco, com água escorrendo pelos cabelos e rosto.

– Acho que foi um meteoro! – respondeu Duda. Embora molhado, ele se encontrava excitado com a possibilidade de um meteoro ter caído tão perto. – Um meteoro gigante e incandescente!

Mas as deduções de Duda foram contrariadas de imediato. Novamente, as águas começaram a vibrar e se agitar. A partir do ponto
de impacto, ondas começavam a se levantar, cada vez mais intensas,
jogando a embarcação para todos os lados.

– Ai, o barco vai virar!

– Não fala isso, Ciça, chega de banhos frios por hoje! – respondeu Rogério, tentando se firmar para não ser atirado para fora.

Contudo, em poucos minutos, do mesmo modo como começara,
as ondas diminuíram, até que as águas se acalmaram, mas não houve tempo para recuperar o fôlego.

– Olhem! – gritou Duda.

Lentamente, um imenso objeto metálico começou a se erguer do lago. A água escorria por sobre a estrutura que emergia e, pouco a pouco, todo o corpo do objeto foi se revelando, flutuando a poucos centímetros da superfície.

Duda, Ciça e Rogério se achavam imóveis, os olhos grudados na súbita aparição. A menos que os três estivessem sonhando, aquilo realmente parecia uma nave espacial.

Subitamente, as águas se iluminaram. Um facho de luz partiu da parte de baixo do misterioso artefato, rente à superfície do lago. O facho estendeu-se até o barco, envolvendo-o por completo.

A luz não chegava a ofuscar, embora dificultasse a visão dos garotos.
Duda levou a mão em forma de concha aos olhos, procurando protegê-los e ver mais claramente. Uma estreita abertura aparecera ao fundo da nave, e ele pensava ter visto uma figura saltar para o facho de luz.

– Ei, vocês viram isso? Tem alguém ali! – disse Rogério, por cima dos ombros de Duda, apontando para o objeto.

Para surpresa de todos, o estranho começou a caminhar através da luz, como se andasse por cima das águas. Quase ao mesmo tempo, os três suspiraram aliviados. Eles não sabiam quem era o estranho ou de onde viera aquele gigantesco objeto, no entanto, se sentiam mais seguros ao verem uma figura semelhante a um homem, que se dirigia ao barco. Ainda assim, permaneciam em silêncio, o coração batendo acelerado.

A figura continuou caminhando até chegar próximo. Ele não trazia nada de especial em relação a equipamentos ou roupas. Salvo o fato de trajar uma espécie de macacão, todo negro, com botas ou sapatos integrados à roupa, sua aparência não tinha nada de anormal ou assustadora.

– Seu nome é Eduardo Junqueira Silva, não? – questionou o homem, falando com um sotaque estranho e apontando para Duda.

– S-Sim, sou eu – respondeu, perplexo, balançando a cabeça
sem perceber, em sinal afirmativo.

– Nós precisamos da sua ajuda.

– M-Minha ajuda? Mas... nós, quem?

– S-Sim, quem é você? – perguntou Ciça, encolhida e assustada, atrás do irmão e do amigo.

– E de onde você vem? – completou Rogério, nenhum deles sequer se dando conta de que continuavam encharcados.

– Sou o tenente Vus Rans. Represento o Alto Comando do Império Galáctico, do ano de 4612, e nós precisamos de sua ajuda, Eduardo.

Duda apenas ficou de boca aberta, sem conseguir dizer qualquer
palavra.

– 4612? É sério? – perguntou Rogério, por fim, assim como os demais, visivelmente espantado.

– Muito sério, não tenha dúvida. Eu não faria uma viagem dessas se a situação não fosse de extrema seriedade.

– Mas como você me conhece e por que precisa de mim? – perguntou Duda, tentando ordenar os pensamentos e sobrepujar a surpresa.

– É uma longa e complicada história. Vamos até a minha nave.
Lá será mais fácil lhe mostrar o problema que temos, além de vocês poderem se secar.

Eles se entreolharam por um momento, só então se dando conta de que continuavam completamente encharcados e com frio.

– Nem pensar! – gritou Ciça, a primeira a quebrar o silêncio
que se seguiu. – Como vamos saber que, uma vez lá dentro, você
vai nos deixar sair de novo? E o que nos garante que você não é um
alienígena malvado se fazendo passar por humano?

Embora surpreendido pela pergunta, o tenente Vus achou graça
da observação de Ciça.

– E por que eu faria isso? Se quisesse prendê-los, simplesmente
o faria, e não estaria aqui conversando com vocês, não acha, Maria
Cecília?

– Você sabe o meu nome também?

– Claro que sim. Sei que tem doze anos, e muitas outras coisas mais. E este aqui é o Rogério, estou certo? – perguntou, se voltando para o menino que se achava mais à ponta do barco.

– É... está certo, mas ainda assim não estou gostando dessa história, é muito estranha. Além do mais, precisava nos molhar deste jeito? Pelo visto, vocês não sabem pilotar muito bem essa coisa lá no ano quatro mil e sei lá quanto!

– Isso foi um acidente, não era nossa intenção causar inconvenientes.

Mais um motivo para vocês irem até a nave. Creio que devam estar com frio, com essas roupas molhadas.

Duda se levantou e encarou o visitante.

– É, está frio sim, mas você tem vantagens sobre nós. Você sabe um monte de coisas, mas não sabemos nada a seu respeito ou o que
quer com a gente.

– Está bem, podemos conversar aqui fora, mas lá na nave seria muito mais confortável, lhes garanto. Agora, se preferem ficar molhados, por mim, tudo bem, a decisão é de vocês.

Novamente, Duda olhou para Ciça e Rogério. Eles realmente estavam encharcados e com frio. O que aquele estranho falava tinha sentido. Não havia dúvida de que se quisesse levá-los à força, conseguiria
fazê-lo, ainda mais com uma tecnologia que o permitia andar sobre um facho de luz.

– E aí, o que nós fazemos? Vamos entrar?

– Bom, seria ótimo poder me secar, e você com certeza está

louco para ir, não está? – perguntou Ciça.

– E você, não? – respondeu Duda com outra pergunta, já sabendo
que, passado o medo inicial, a irmã deveria estar morrendo de curiosidade também. Aquilo era uma nave de verdade, e pelo que o homem dizia, uma que viajava no Tempo.

– E você, Rogério, o que acha?

– Bom, a nave é de verdade, não é? Está ali, e fim. Então,
o que mais podemos fazer? Dizer não, obrigado, nós não estamos interessados, e eles vão embora, nos deixando aqui completamente encharcados? De jeito nenhum! Esse foi o segundo banho gelado que tomei hoje, e isso tem que valer alguma coisa. Não vamos perder uma oportunidade dessa. Vamos lá, vamos conhecer essa nave por dentro.

– Ótimo – disse o tenente.

Rogério levantou a mão, pedindo um instante.

– Só me diga uma coisa: se você veio lá do ano quatro mil e
qualquer coisa, a mando desse tal de império, tinha que chegar justo
agora? Não dava para vocês, lá no céu, esperarem só um pouquinho
mais? – perguntou Rogério, sério.

– Mas por quê? – quis saber o tenente Vus, curioso, assim como Duda e Ciça.

            – É que eu ia dar uma lição de como se pesca para esses dois, e o seu império, que não tinha mais nada para fazer, foi me atrapalhar bem na hora! – respondeu Rogério, não esperando por qualquer comentário ou se preocupando com a cara de espanto de todos. Sem dizer mais nada, e com um sorriso de satisfação, se dirigiu para a grande nave, descendo do barco e caminhando sobre o feixe de luz.

Um comentário:

Nelson Magrini por Nelson Magrini:

Nelson Magrini é Engenheiro Mecânico, estudioso e pesquisador em Física, com ênfase em Mecânica Quântica e Cosmologia. Escritor, professor e consultor em Gestão
Empresarial e Cadeira Logística, além de Agente Literário, com serviços de Revisão Ortográfica e Gramatical, Preparação de texto (Copy Desk), Leitura Crítica e outros.


É autor de CEIFADORES – Anjo a face do mal II, ANJO A Face do Mal e Relâmpagos de Sangue (Novo Século Editora), de Os Guardiões do Tempo (Giz Editorial) e de ter participado das coletâneas Amor Vampiro, com o conto Isabella (Giz Editorial), e Anjos Rebeldes, com o conto Em Nome da Fé (Universo Editorial). Foi elaborador e colaborador do Fontes da Ficção.

nelson_magrini@yahoo.com.br