Sigo pelo corredor e cogito se estou sonhando. Toco a
parede à esquerda e lhe sinto a rugosidade. Muito real para um sonho. Continuo
em frente, mas poucos passos a mais e me detenho. Há algo diferente, algo tão
inusitado que demoro a me dar conta.
Um canto de criança.
Apesar da falta de sentido, que chega a ser
surpreendente, não esboço reação. Fico apenas escutando a cantiga ao longe. De
súbito, bate-me a percepção de que não me encontro só, e meu coração se agita,
a ansiedade dando-me um nó no estômago. Sou tomado por um impulso de correr e
encontrar quem está cantando, mas, antes, apuro os ouvidos e procuro discernir
as palavras.
A roda gigante
tá girando; vamos todos girar juntos. Quero correr, quero brincar; quero
sorrir, quero pular! A roda gigante tá girando...
É mesmo uma cantiga de roda e, embora possa jurar que
nunca a ouvi, me é familiar e, neste instante, percebo o quanto este lugar não
me é estranho.
A constatação é tal qual um choque elétrico. Como posso
reconhecer um local onde jamais estive?
Desconhecido e familiar se mesclam, compondo uma
dualidade quase imperceptível, para, em seguida, explodir em fragmentos
brilhantes, frente aos meus olhos.
Deixo de lado tais considerações e me concentro na
cantiga, percebendo que provém de mais adiante. Decidido, avanço pelo corredor
e alcanço uma escada que parece levar ao nível superior. A cantiga vem de lá.
Sem hesitar, tomo os degraus e começo a subir.