– Como chamam a... isto?
A voz do anjo reverberou pelas paredes, um som tão divino que levou os fiéis às lágrimas. Muitos não notaram que os ouvidos sangravam.
– É... é... u-uma missa... – gaguejou o padre, envolto em êxtase.
– Missa... chamam a isto de... missa?
A sonoridade angelical se alterara. Apesar de manter o tom, a fala se mostrava mais dura, excruciante aos ouvidos, tornando o ato de escutar um martírio nunca vivido por alguém.
– Está errado... tudo errado.
A luz irradiada parecia dançar ao ar, a cada movimento dos lábios do anjo. Apesar da doçura com que eram pronunciadas, as palavras cada vez mais açoitavam a mente dos presentes que, àquela altura, choravam, ouvidos e narizes sangrando, manchando-lhes a roupa. A maioria, ajoelhada, rezava de maneira frenética, entre soluços e lágrimas.
– M-mas... a-a-assim foi e-ensinado! – respondeu o padre, em prantos, o sangue brotando-lhe pelas narinas e orelhas.
– Não me refiro à ritualística... padre...
O tom de voz mais brando trouxe um pouco de alívio e acalento às pessoas. Já não se sentiam julgadas. Apenas ao abrandar o tom, o anjo transmitia esperança e perdão.
– Refiro-me aos sentimentos.. aos corações de todos que toco... àquilo que sentem e acreditam... fé... é sobre isso que falo...
O anjo se voltou aos fiéis. O sentimento de esperança se foi e, uma vez mais, medo e angústia se fizeram presentes. Era apenas silêncio, mal se ouvindo o sussurro dos que se perguntavam como poderia, na presença de um anjo, a esperança ser tão efêmera e fútil que mal se deixava notar?
– Devoção não é vir às igrejas... como se tal obrigação bastasse...
As palavras voltaram a torturar os fiéis, agora compelidos à expiação.
– Devoção também não é reger uma missa... ou rezar à noite...
O simples apontar para o padre, o fez gritar, como se queimasse por dentro. E ainda assim, o semblante do anjo estampava a calma divina.
– Devoção é sentimento de fé a cada instante da vida...
O anjo se dirigiu ao padre.
– Você não lhes ensinou nada... e você mesmo, nada sabe... vou ensinar-lhes...
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