Aos meus amigos, seguidores, leitores, meus editores, Luiz Vasconcelos e Ednei Procópio, e a todo o time da Editora Novo Século e da Giz Editorial, Boas Festas e um 2011 incrível, com muita imaginação, criatividade, planejamento e realizações, meus votos para este ano que se finda e o novo que se inicia!
E, ao longo dos anos, o anjo sorriu para Mário diversas vezes. Primeiro,nas corridas de cavalo, junto a bookmakers que bancavam apostas;depois, em todo tipo de jogo de azar. E Mário jogava muito, e ganhavamuito, sempre, todas às vezes. O curioso é que isso só acontecia em jogatinasilegais. Sua sorte parecia não funcionar e jogos oficiais, sorteios deprogramas de televisão ou o que fosse. Porém, Mário não se preocupava comisso. O que importava era a grana, o dinheiro fácil, e dinheiro era o que omantinha no topo. Roupas caras, carros de luxo, mulheres e noitadas. Todos queriam seramigos de Mário, todos o invejavam e lhe cobiçavam a sorte. Ele era o rei ese encontrava no topo. Entretanto, um dia, Mário perdeu; perdeu uma vez, duas, várias vezes.Mas não se abalou com isso. Dizia que era apenas um pequeno revés, paratornar a vida mais interessante, para que a emoção do jogo fosse maior. Elenão acreditava que seu anjo havia ido embora, que o havia abandonado.Tinha o dom, a sorte, e aquilo poderia acontecer de vez em quando, masseria insignificante perto do que ele era e alcançara. E Mário continuou jogando, jogando muito. As somas eram altas eseus credores, poderosos. Porém, apesar do que ele acreditava, continuou aperder cada vez mais, e quanto mais perdia, mais alto jogava.E foi quando a vida deixou de ser tão interessante. O jogo já não traziamais emoção e sim, desespero. Não era prazer, mas compulsão. Já não maissabia parar, não podia, não queria, tinha de recuperar a sorte e a fortuna.Tinha de voltar ao topo. Contudo, seu anjo já não se achava mais ao seu lado, e ele perdeu tudoo que havia conquistado. Agora, sem dinheiro ou amigos, sem nada, vivia nas ruas, nos becosescuros e sujos, quase sempre bêbado de álcool barato, comprado com esmolasque ganhava ao longo dos dias. Mas, ainda assim, acreditava e sentia que umdia seu anjo voltaria e, com ele, a sorte e o topo. Sabia que isso aconteceriaum dia e esse dia, muito bem, poderia ser hoje. De repente, o vento gelado entrou pela abertura do abrigo improvisado,fazendo-lhe o corpo tremer de frio. Mário olhou para a garrafa, procurandopor algum resto de bebida, mas nada encontrou. A pinga havia acabado e agarrafa vazia lhe trouxe mais tristeza. Revirando os bolsos das velhas calças, puxou algumas poucas moedase mais nada, insuficientes para uma compra. Por esta noite não haveria maisálcool e ele teria que se conformar com isso, com o que a vida estava lhe dando.A não ser que seu anjo voltasse e isso, muito bem, poderia acontecer hoje.O vento soprou uma vez mais, ainda mais forte e gelado, tão frio queMário poderia jurar que lhe fazia feridas na pele. As caixas de papelão tremeram e se inclinaram, protestando contraaquele açoite invisível. Se a intensidade aumentasse, seriam derrubadas,levadas para longe como se não tivessem peso algum.Mário puxou o velho e imundo cobertor ainda mais para si, e elevoua gola do surrado sobretudo, tentando se proteger melhor, quando algo lhedespertou a atenção. Havia uma fina névoa do lado de fora, uma neblina que se formava e queele podia ver através da abertura do abrigo. Entretanto, não era uma neblinacomum, como tantas outras que se cansara de ver, nas noites de inverno; erauma neblina diferente. Não tomava as paredes do beco, descendo do céu echegando com o frio da madrugada, como seria de se esperar. Em vez disso,era densa, compacta, e se formava junto ao chão, rasteira, vindo devagar,devorando pouco a pouco todo o espaço do beco, como um animal famintoque se aproxima sorrateiramente. Um relâmpago fustigou-lhe a vista e, no entanto, não fora um relâmpagono céu, o céu se encontrava limpo e estrelado. Fora um relâmpago nochão, em meio à neblina que se aproximava lentamente.Apesar do frio, Mário se ergueu e se aproximou da entrada do refúgio,intrigado, percebendo com clareza outro relâmpago no chão, poucos metrosà frente. Ele estremeceu, sentindo o coração bater com força. Seria um sonho?Uma alucinação causada pela cachaça barata? Franziu a testa. Outra vez seusolhos viam luz em meio à neblina, porém, agora não mais um relâmpago,rápido e fugaz, mas uma luz compacta, duradoura e prateada, e que, semaviso, começou a se espalhar pela fumaça esbranquiçada, transformando-anum mágico tapete alvo que recobria todo o sujo chão do beco. Subitamente, a luz prateada elevou-se à frente de Mário, brilhante eimponente. Por um segundo, sua respiração parou e ele chegou a se assustarcom a visão, mas, logo em seguida, tudo voltou ao normal. Ele se sentia bem,tão bem como há muito não acontecia. Não existia mais preocupação ourevolta, apenas paz e a luz prateada, uma luz angelical. Mário sorriu, quase gargalhou. O coração se acelerava e batia aindamais forte. Não era uma alucinação causada pelo álcool o que via, poucoimportando se estava bêbado ou não. Sabia que aquilo iria acontecer umdia, e esse dia era hoje, tinha certeza. Era seu anjo que se encontrava à suafrente, seu anjo da sorte. A paz em seu interior se intensificou, tornando-se ainda mais plena.Já não ouvia a raiva que o atormentava ou sentia as frustrações que o consumia.Mário não percebeu, tal seu estado de êxtase, que nem mesmo ouviaos ruídos da cidade, das pessoas nas ruas próximas ou dos carros, que cruzavam,em alta velocidade, à frente do beco. Contudo, isso não importava. Ele estava só e, ao mesmo tempo, não seencontrava mais sozinho. Riu, em voz alta, por seu anjo que retornara e, destavez, era para valer. Ele nunca avistara o anjo antes, porém, agora, ele estavaali, ao seu alcance, e era de verdade. Tinha que ir para a luz, ao encontro doanjo. Seu guardião iria envolvê-lo e protegê-lo, e com ele, subiria ao toponovamente. Mário deu um passo à frente. A neblina tocou-lhe os pés. Deu maisum passo e depois outro. A neblina elevou-se até a altura dos joelhos. Ele nãocompreendia como ela podia se elevar, contrariando a vontade do vento, masisso também não importava. Aquilo só podia ser mais um sinal de sorte. A luz o envolveu. Mário esticou os braços e tocou a luz. A luz tocouMário. Ele sentiu a consciência desmanchar, como se perdesse a própriaidentidade, a própria individualidade. Ele se sentiu amplo, sem os limitesdo corpo, calmo e tranquilo, como se estivesse sendo abençoado. Procurouo anjo; sabia que ele estava lá, bem no meio da luz. Deu mais um passo. Primeiro,viu o brilho; depois, garras e dentes.
Nelson Magrini é Engenheiro Mecânico, estudioso e pesquisador em Física, com ênfase em Mecânica Quântica e Cosmologia. Escritor, professor e consultor em Gestão Empresarial e Cadeira Logística, além de Agente Literário, com serviços de Revisão Ortográfica e Gramatical, Preparação de texto (Copy Desk), Leitura Crítica e outros.
É autor de CEIFADORES – Anjo a face do mal II, ANJO A Face do Mal e Relâmpagos de Sangue (Novo Século Editora), de Os Guardiões do Tempo (Giz Editorial) e de ter participado das coletâneas Amor Vampiro, com o conto Isabella (Giz Editorial), e Anjos Rebeldes, com o conto Em Nome da Fé (Universo Editorial). Foi elaborador e colaborador do Fontes da Ficção.